Educação a Distância

domingo, 19 de setembro de 2010

Reúso de água é questão cultural

O professor Ivanildo Hespanhol defende a cobrança pelo uso da água como instrumento de preservação dos recursos hídricos e o incentivo ao reúso para fins não potáveis. As indústrias são as grandes interessadas.

A água não é inesgotável em nenhum lugar do mundo, mas alguns países convivem com a escassez desse recurso há muito mais tempo e, por isso mesmo, incorporaram a prática do reúso de água a sua cultura. No Brasil, reutilizar água para fontes não potáveis ainda é algo pouco usual e visto com preconceito. No entanto, algumas companhias vêem descobrindo que podem economizar muito dinheiro ao reaproveitar a água em seus processos industriais e a estimativa é de que, nos próximos anos, isso se torne cada vez mais comum.

O professor Ivanildo Hespanhol, diretor do CIRRA – Centro Internacional de Referência em Reúso em Água, vinculado ao Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, critica a postura padrão dos brasileiros em relação ao uso da água e a compara à dos romanos, no início do milênio, que buscavam água cada vez mais longe, à medida que poluíam os rios próximos. “É preciso que haja uma mudança de paradigma que se baseie no princípio da conservação e do reuso de água”, defende. Essa transformação já está começando a acontecer, mas a principal motivação ainda é o bolso.

“Há cinco anos, a questão da água não era um problema no Brasil. A indústria não sabia como gastava esse recurso. Hoje, sabe-se quanto vai para a irrigação de um cultivo, para o resfriamento, para a limpeza do local e o quanto é gasto, de fato, na produção. Com isso, é possível controlar melhor o desperdício, modificar o processo de desenvolver sistemas que consomem menos água e geram menos efluentes”, explica Hespanhol.

COBRANÇA DO USO DA ÁGUA
A preocupação em mapear a água consumida e também o esgoto descartado tem sido estimulada pela cobrança pelo uso da água em algumas bacias do país, como a do Rio Paraíba do Sul e as dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, no estado de São Paulo. O professor esclarece que a lei de cobrança pelo uso da água não permite que os recursos financeiros vão para o Tesouro Nacional; eles são ficam na própria bacia hidrográfica e são utilizados para controlar a poluição das águas e melhorar a qualidade daqueles mananciais.

Nesses casos, a empresa precisa pagar tanto pela permissão da captação de água da bacia quanto pelo lançamento dos efluentes – nesse caso, o valor é calculado a partir da quantidade de água gasta para diluir o volume e a carga poluidora do material descartado, de modo que o rio ou córrego mantenha a sua qualidade. Atualmente, paga-se R$ 9,69 por metro cúbico de água captada. Somando-se a deposição do esgoto, o valor do metro cúbico pode chegar a R$20. Segundo o professor, esse valor tende a aumentar com o tempo.

VANTAGEM ECONÔMICA
É isso o que tem motivado as indústrias a se esforçarem tanto para reduzir o desperdício quanto para reaproveitar a água já captada, transformando-a em matéria-prima para outros processos, antes de descartá-la na natureza. Ivanildo Hespanhol diz que o reúso de água pode diminuir a captação entre 40% e 80% e o retorno do investimento gira em torno de 18 meses. “A gestão ambiental deixou de ser um estorvo para se tornar um instrumento de economia”, observa Hespanhol. 

Hoje, já existem empresas pensando em construir pequenas estações de tratamento de água para despoluir seus efluentes antes de lançá-los nos mananciais. Só na cidade de São Paulo, estão instaladas cerca de 130 mil indústrias, sendo 8 mil entre médias e grandes. Se todas adotassem a mesma postura, certamente os rios da cidade teriam outra qualidade.

Há ainda um novo tipo de negócio surgindo: são as empresas de BOT – Build Operation Transfer, que constroem o sistema de reúso de água para a indústria que contrata seus serviços e o mantém por um período de cinco a dez anos. A indústria tem a comodidade de apenas pagar pela utilização do serviço e a empreiteira resgata o valor investido e ainda tem lucro. Depois disso, o sistema pode ser transferido para a indústria ou não, nessa caso, trata-se de uma BOO – Build Own Operate. 

Segundo Hespanhol, a prática do reúso será mais efetiva se houver mais vontade política em promovê-la, por meio de financiamentos, por exemplo, e se for criado um arcabouço legal que estabeleça critérios claros para a reutilização do recurso – de forma que seja garantida a qualidade necessária em cada processo – e preveja a possibilidade de subsídios para os adeptos da iniciativa.

LEGISLAÇÃO
Para o professor, ainda não possuímos uma legislação eficaz para a implementação do reúso de água, mas esses padrões legais poderiam ser de responsabilidade do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, que possui mais força do que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Atualmente, o reúso é contemplado pela Portaria 54, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ainda em andamento. “Depois de criada uma legislação-mãe que conceitue e classifique os tipos de reúso, serão necessárias outras, mais específicas, para cada tipo de reúso”, afirma Ivanildo Hespanhol. 

O assunto é delicado e cheio de minúcias. A água que pode ser reutilizada para lavar garagens não é a mesma que se usa para regar um jardim, que também é diferente da que pode reabastecer um aqüífero, ser destinada à construção civil ou aproveitada em um vaso sanitário.

Além de ser fundamental garantir a saúde das pessoas – uma água que entre em contato direto com seres humanos precisa ser livre de coliformes fecais –, também é importante observar especificidades técnicas. Para a indústria do cimento, por exemplo, é importante que a água de reúso não contenha óleos ou graxas, caso contrário, o concreto não endurece.

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