A onda de calor extremo que transformou a Rússia num inferno, com temperaturas 20 graus acima da média e incêndios florestais que cobriram Moscou com fumaça tóxica, intriga os climatologistas. O suspeito óbvio é o aquecimento global.
Uma onda de calor infernal, daquelas capazes de deixar até os habitantes dos trópicos esbaforidos, abateu-se sobre a Rússia nos últimos dois meses. Os termômetros, que por quase um mês se mantinham acima dos 30 graus, bateram em 39 graus no centro de Moscou por dois dias seguidos. Antes disso, a temperatura mais alta já registrada na capital russa fora de 37,2 graus, em agosto de 1920. Este é o verão mais quente no país desde que se iniciaram os registros meteorológicos, em 1880. Das 83 regiões do país, um terço está em estado de emergência por causa do fogo e da fumaça. As autoridades estimam que apenas na capital 5 000 pessoas já tenham morrido em decorrência do calor. Outras 1 200 se afogaram em piscinas, praias e lagoas em várias partes do país quando, depois de muita vodca, tentavam se refrescar na água. Historicamente, o verão em Moscou é ameno. A média em julho, o mês mais quente, é de 23 graus. Em agosto, já cai para 20 graus. Não bastasse o calor, desde o início de agosto a fumaça dos incêndios florestais tornou irrespirável o ar de Moscou. A concentração de partículas tóxicas na atmosfera aumentou em vinte vezes. Boa parte da população só sai à rua com máscaras cirúrgicas, numa tentativa de filtrar o ar que respira.
Não apenas os russos estão em estado de choque com temperaturas tão extremas. Cientistas e climatologistas de todo o mundo procuram entender a razão dessa anomalia climática. Sobretudo porque o verão infernal foi antecedido por um inverno especialmente gelado. Em dezembro, a neve acumulada nas ruas de São Petersburgo atingiu 35 centímetros de altura, a maior quantidade desde 1881. No mês seguinte, os termômetros em Moscou registraram 26 graus negativos, bem abaixo da média de 14 graus negativos. Isso significa que, entre o inverno e o verão de 2010, os moscovitas foram submetidos a uma torturante diferença térmica de 65 graus. Em certos pontos do Deserto do Saara, onde os gradientes térmicos são normalmente os mais amplos do planeta, a variação média é de 60 graus.
O suspeito óbvio para explicar a alta temperatura na Rússia é o aquecimento global. Ambientalistas aproveitaram a oportunidade para protestar contra as emissões de gases do efeito estufa no país, o terceiro maior poluidor mundial. O presidente Dimitri Medvedev, que no passado endossou a tese de que um aumento de 2 ou 3 graus na temperatura global seria benéfico para a Rússia, mudou de ideia. Na semana passada, ele convocou as nações para discutir medidas urgentes contra as mudanças climáticas. A dúvida é se o diagnóstico está correto. "Não é possível fazer uma relação direta entre o que ocorre na Rússia e o aquecimento global", explica o meteorologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Mas a ocorrência nos últimos anos de várias anomalias climáticas sucessivas parece realmente indicar que o aquecimento global está piorando." Segundo a Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA), o número de dias extremamente quentes triplicou nos últimos 130 anos.
O calor que castiga a Rússia é similar ao que matou 15 000 pessoas na Europa no verão de 2003. "Em ambos os episódios se percebe uma área de alta pressão atmosférica, o que impede a dissipação das ondas de calor", diz o meteorologista Marcelo Seluchi, do Inpe.
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